
Respaldado por uma oferta de ajuda militar de Moscou, o presidente da Bielo-Rússia, Alexander Lukashenko, disse neste domingo, 16, que não deixa o poder “nem morto” diante de uma pressão popular inédita ao longo de 26 anos no poder. Enquanto ele ainda discursava a um grupo de apoiadores, um mar de dezenas de milhares de manifestantes vestidos de branco cobriu as ruas do país em resposta.
Foi a primeira vez que o presidente, considerado pelo Ocidente como o último ditador da Europa, se manifestou publicamente desde anunciou ter ganho com 80% dos votos, nas eleições do dia 9, um sexto mandato. A oposição não considera a eleição válida e exige que ele deixe o poder.
Lukashenko assumiu hoje um tom mais desafiador – chamando oponentes de ratos, bandidos e lixo – após seu segundo telefonema em menos de 24 horas com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Segundo comunicado do Kremlin, o líder russo manifestou estar pronto para oferecer assistência de segurança ao país, seguindo um pacto coletivo militar, se for necessário e se o país estiver sofrendo pressão externa.
Trata-se de um pacto dos anos 90 estabelecido entre Rússia, Bielo-Rússia e vários outros países da antiga União Soviética que estipula que a agressão contra um membro da aliança é vista como um ataque a todos.
No sábado, o Kremlin disse estar confiante em uma solução rápida dos problemas no país. Putin felicitou Lukashenko pela vitória eleitoral, que os países europeus e os EUA consideram fraudulenta. De acordo com os comunicados do Kremlin, nenhum dos telefonemas incluiu qualquer endosso claro para que Lukashenko permaneça no poder. Na semana passada, um proeminente político russo pró-Kremlin, Konstantin Zatulin, descreveu Lukashenko como “perturbado” e sua reeleição uma “falsificação total”.
O presidente da Bielo-Rússia tem alegado que há um complô internacional para derrubá-lo. Ao anunciar exercícios militares para esta semana, o ditador argumentou que tanques e aviões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foram posicionados a 15 minutos da fronteira do país. De acordo com o New York Times, Lukashenko parece ter calculado que a melhor maneira de garantir a ajuda russa contra seus oponentes domésticos desencadeando uma falsa crise militar na fronteira.
Convocados pela principal candidata da oposição à presidência, Svetlana Tikhanovskaya, refugiada na Lituânia, os dissidentes se mobilizaram hoje pelo oitavo dia desde as eleições, na maior manifestação contra o governo da história da Bielo-Rússia. Opositores estimaram o público em 200 mil.
Reunida em torno de um obelisco da era soviética na Avenida Victors, a multidão gritava para que Lukashenko deixasse o poder. “Acordamos para o fato de que queremos ser livres, queremos ser humanos. O governo acreditava que eram deuses e nós, nada”, disse a economista Olga Golovanova.
Os manifestantes agitavam a tradicional bandeira branca e vermelha que se tornou um símbolo da oposição depois que o presidente a substituiu por uma de aparência soviética.
O protesto teve ar festivo, em contraste com o clima tenso de manifestações menores da semana passada, reprimidas com violência pelas forças de segurança, deixando pelo menos 2 mortos, dezenas de feridos e mais de 6 mil presos. Não houve intervenção dos policiais de choque.
Divisões
Em um sinal de crescente desencanto entre funcionários do governo, o embaixador da Bielo-Rússia na Eslováquia, Igor Leshchenya, postou um vídeo expressando apoio aos manifestantes, dizendo: “Como todos os bielo-russos, estou chocado com relatos de tortura e espancamento contra meus concidadãos.”
Até as fábricas estatais – que já foram bastiões sólidos de apoio a Lukashenko – se aproximaram da oposição, com greves ganhando força no fim de semana em várias empresas industriais públicas, incluindo uma fábrica de tratores em Minsk.
A manifestação pró-governo evidenciou a redução da base de Lukashenko. Muitos participantes foram levados de ônibus de cidades e vilas fora da capital. O grupo, porém, incluía apoiadores genuínos do presidente, que confiam em sua promessa de manter o país protegido de agressões externas.
“O Ocidente não precisa de nós”, disse Olga Mokhnach, de 43 anos, uma instrutora de música. “Não estamos na mesma situação terrível que a Ucrânia”, que derrubou seu próprio presidente em 2014 e agora está atolada em uma guerra com separatistas armados com russos.
Com seu marido, Vladimir, de 52 anos, Olga disse que a sociedade bielo-russa havia se dividido amplamente em gerações. Ela afirmou que os dois filhos do casal – de 14 e 16 anos – se voltaram contra ela e seu marido politicamente. “Gritamos um com o outro todas as noites.”