A aviação comercial brasileira é reconhecida pelo seu alto índice de segurança e pelo baixo índice de acidentes fatais nos últimos anos. Em 2023, o Brasil obteve 95,1% de aprovação na auditoria preliminar do Programa Universal de Auditoria de Supervisão de Segurança (USOAP) da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO).
Desde os anos 2000, apesar dos avanços tecnológicos e do aprimoramento constante nos protocolos de segurança, a história da aviação no país ainda carrega tragédias que ensinaram valiosas lições para a indústria aérea global. A cada novo acidente, são criados ou melhorados padrões de segurança para minimizar riscos e evitar novas fatalidades, muitas vezes com base em erros passados – sejam eles humanos ou mecânicos.
Com o surgimento de tecnologias sofisticadas em jatos modernos, a margem para falhas devido a distrações de pilotos foi drasticamente reduzida. Além disso, o treinamento das tripulações, em consonância com as exigências da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e organizações internacionais como a International Air Transport Association (IATA), tem garantido mais qualidade e eficiência nas operações aéreas. No entanto, mesmo com toda essa evolução, acidentes ainda ocorrem, refletindo a complexidade e desafios permanentes da aviação.
Confira abaixo os principais casos de acidentes aéreos no Brasil:
1- O caso da banda Mamonas Assassinas
Na noite de 2 de março de 1996, o Learjet 25D, prefixo PT-LSD, transportava o grupo musical ‘Mamonas Assassinas’, que fazia grande sucesso entre os jovens da década de 1990. O voo decolou do Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, às 21h58, e deveria pousar no Aeroporto Internacional André Franco Montoro, em Guarulhos, às 23h10. Entretanto, terminou de maneira trágica quando a aeronave colidiu com a Serra da Cantareira.
O piloto Jorge Luiz Germano vinha de uma sobrecarga de trabalho e teve dificuldades com a visibilidade noturna, fatores que foram fundamentais para a tragédia, além de falha de comunicação com a torre de controle do aeroporto. Pelo protocolo de Guarulhos, em caso de arremetida, o piloto deve conduzir a aeronave à direita. No entanto, a curva foi feita à esquerda, o que culminou na tragédia e na morte instantânea dos nove ocupantes a bordo. O relatório do Centro de Investigações de Acidentes Aéreos da Aeronáutica (CENIPA) apontou que a fadiga, estresse e as falhas de comunicação com a torre de controle foram fatores críticos para o desastre. O piloto já acumulava uma jornada de mais de 16 horas de voo sem repouso. “Não foram apontadas falhas do fator material, apenas no fator humano (fadiga, estresse) e no fator operacional (deficiente instrução, pouca experiência de voo na aeronave, deficiente supervisão, deficiente coordenação de cabine, influência do meio e deficiente planejamento)”, indicou o relatório.
2 – TAM 402, o horror que veio do céu
Outro acidente grave aconteceu no mesmo ano, em 31 de outubro de 1996, com o voo da TAM 402. A aeronave Fokker 100 decolou do Aeroporto de Congonhas com destino ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Com 24 segundos após a decolagem, a aeronave caiu no bairro do Jabaquara, zona sul da capital paulista. Um problema com o reversor do motor direito levou à perda de controle logo após a decolagem. Embora o comandante tenha tentado corrigir a falha, o avião perdeu sustentação e colidiu com residências, matando os 96 ocupantes e outras três pessoas em solo.
Para além do reconhecimento dos corpos das vítimas, o IML identificou mais de três quilos de cocaína retirados do compartimento de bagagem da aeronave, provavelmente destinada ao tráfico de drogas da cidade do Rio de Janeiro.
Após uma longa investigação com a participação do fabricante da aeronave, a perícia concluiu que os fatores humano e material foram os responsáveis pela queda do avião.
3 – Gol 1907, a tragédia na Amazônia
No dia 29 de setembro de 2006, o voo 1907 da Gol Linhas Aéreas decolou do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, de Manaus, com destino ao Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília. Terminou em um dos acidentes mais devastadores da aviação brasileira. O Boeing 737-800 colidiu com um jato Embraer Legacy 600 sobre a Floresta Amazônica, matando 154 pessoas, enquanto os sete ocupantes do Legaccy sobreviveram.
De acordo com as investigações, os equipamentos de comunicação não foram efetivos naquela região, o que impediu que os radares detectassem a posição das duas aeronaves. Isso resultou em uma colisão fatal a 37 mil metros de altitude. Segundos após a colisão, o avião se desintegrou e caiu em um território indígena no município de Peixoto Azevedo, em Mato Grosso.
Segundo as investigações do Centro de Investigações de Acidentes Aéreos da Aeronáutica (CENIPA), o Legacy 600 infringiu a lei brasileira ao desligar seu transponder, tornando a aeronave inabilitada de aparecer nos radares. Com isto, não foi possível saber que os dois aviões se encontravam na mesma altura, em rota de colisão. Os pilotos Joseph Lepore e Jean Paul Paladino, de origem norte-americana, não se apresentaram à justiça brasileira e foram condenados à revelia a 12 anos de prisão. Como nunca voltaram ao Brasil, eles seguem livres nos Estados Unidos.
4 – TAM 3054 e a falha humana
Em 17 de julho de 2007, o voo TAM 3054, operado por um Airbus A320, decolou do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com destino ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O voo ocorreu normalmente até o pouso da aeronave em Congonhas, que se encontrava sob fortes chuvas. Por volta das 18h20, os pilotos Kleyber Lima e Henrique Stefanini Di Sacco receberam autorização para aproximação e aterrissagem em Congonhas. Por conta do tempo, a torre sugeriu uma mudança de rota e pouso no aeroporto de Guarulhos. Entretanto, a opção dos pilotos foi por manter o destino original, que se daria pela pista 35L de Congonhas.
No relatório final sobre o acidente, dados da caixa preta mostraram que o comandante Lima se esqueceu de colocar o manete defeituoso na posição neutra, mantendo-o em constante aceleração. Em contraposição, o manete esquerdo foi corretamente colocado em reversor. Erroneamente, o sistema do avião compreendeu que o mesmo estava tentando realizar uma arremetida, acelerando ainda mais a aeronave e impedindo os pilotos de aplicarem alternativas de freio, como o aileron e o próprio freio dos pneus. A falta de desaceleração adequada fez com que o avião não conseguisse parar, saindo da pista e atingindo o armazém de carga da TAM.
A tragédia resultou na morte de 199 pessoas, sendo 187 a bordo do avião e 12 pessoas no solo. O relatório do Centro de Investigações de Acidentes Aéreos da Aeronáutica (CENIPA), apontou a falha humana como a principal causa do desastre.
5 – Air France 447, tragédia no Oceano Atlântico
Embora não tenha ocorrido em solo brasileiro, no dia 31 de maio de 2009, o acidente do voo Air France 447 teve como ponto de partida o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Destino: Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. A aeronave A330-200, entrou em uma área de tempestade na região conhecida como Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), famosa por condições meteorológicas severas, a cerca de 1.200 quilômetros da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.
Após sair do espaço aéreo brasileiro e, portanto, da zona coberta por radares, a aeronave deveria entrar e aparecer no espaço dos radares do Senegal 50 minutos depois. Estranhamente, o voo 447 começou a enviar mensagens automáticas para a central de manutenção da Airbus sobre possíveis problemas de pressurização, altitude e velocidade.
Com a aeronave no modo manual, o nariz do avião foi erguido e com isso perdeu a sustentação e velocidade. Após 4 minutos, caiu no Oceano Atlântico, matando os seus 228 ocupantes. A investigação apontou que o acidente foi causado pela falha nos instrumentos de medição de velocidade. As caixas pretas do voo 447 só foram encontradas quase dois anos depois da queda da aeronave. Elas estavam a 4 mil metros de profundidade.
Em relatório divulgado pelo governo da França, meses depois, constatou-se que a forte tempestade e as baixas temperaturas fizeram os tubos de pitot congelarem, retirando qualquer possibilidade de controle do avião e desorientado completamente os pilotos. Ao inclinar o bico do avião para cima e alterar a velocidade do Airbus, sobreveio o estol, situação em que um avião perde sustentação e altitude estando em posição horizontal. Como resultado, o avião caiu a mais de 400 km por hora no Oceano Atlântico, resultando na morte instantânea de todos os seus ocupantes. No relatório, menciona-se que a morte dos passageiros ocorreu devido ao impacto corporal e consequente quebra de órgãos vitais internos.
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Os acidentes aéreos aqui relatados refletem a complexidade das operações de voo e as dificuldades enfrentadas pelas tripulações, mesmo com os avanços tecnológicos. A aviação comercial brasileira, embora com um histórico de segurança elevado, continua aprendendo com seus erros e a implementar novos protocolos e tecnologias para evitar tragédias. A constante evolução dos padrões de segurança, o treinamento rigoroso das equipes e a conscientização sobre a importância da comunicação e da tomada de decisões em tempo real são essenciais para manter o alto nível de segurança da aviação.
As memórias dessas tragédias servem como um lembrete de que, embora a tecnologia tenha avançado, a vigilância contínua e a capacidade de aprender com os erros do passado são fundamentais para garantir que o céu continue a ser seguro para todos.