Partido do presidente, que domina Casa, consegue negar pedidos de documentos em definição de regras do processo.
O Partido Democrata sofreu sua primeira grande derrota no processo de impeachment contra o presidente americano, Donald Trump, nesta terça-feira (21).
No primeiro dia de julgamento no Senado, dominado pelos republicanos, os senadores negaram, por 53 votos a 47, três pedidos de intimação para apresentar documentos —dois dirigidos à Casa Branca e outro, ao Departamento de Estado.
Por volta das 21h30 (23h30 em Brasília), os senadores rejeitaram, com o mesmo placar, um pedido para que o chefe interino de gabinete de Trump, Mike Mulvaney, fosse intimado a prestar depoimento.
Os senadores argumentaram que a responsabilidade pela produção de provas era da Câmara dos Deputados. No entanto, a Casa intimou o Executivo várias vezes —todas as requisições foram negadas pela equipe do presidente.
Mulvaney foi intimado a depor pela Câmara dos Deputados quando o processo do impeachment tramitava na Casa, mas ele descumpriu a ordem.
Os democratas poderão refazer os quatro pedidos negados nesta terça somente em outro momento do julgamento —após acusação e defesa apresentarem seus argumentos e a subsequente fase de perguntas se encerrar.
A obtenção de documentos, assim como a convocação de novas testemunhas, tornou-se um dos pontos centrais do impeachment. Uma das acusações que pesam contra Trump é justamente a de impedir que a Câmara investigasse o episódio envolvendo Kiev.
O republicano teria usado o cargo para pressionar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a reabrir uma investigação sobre os negócios de um filho do ex-vice-presidente Joe Biden —o democrata é pré-candidato à eleição presidencial deste ano, na qual Trump disputará a reeleição.
O americano teria condicionado o envio de um pacote de ajuda militar de mais de US$ 390 milhões ao anúncio do inquérito de corrupção envolvendo o rival. O episódio veio à tona graças a uma denúncia anônima.
Outras regras que definirão o rito do julgamento do impeachment no Senado foram motivo de confronto entre democratas e republicanos nesta segunda.
Nos Estados Unidos, as poucas normas sobre a condução do impeachment no Senado são omissas em pontos-chave do processo, como a convocação de novos depoimentos, o que faz com que os senadores tenham o poder de definir tanto o rito quanto o desfecho do julgamento.
Em um cenário de polarização partidária —o impeachment foi aprovado na Câmara sem o apoio de nenhum deputado do partido do presidente, o Republicano—, a definição dessas regras se tornou a principal ferramenta para dar legitimidade ao processo e, assim, evitar a acusação de perseguição política.
A proposta inicial, divulgada na noite de segunda (20) pelo presidente do Senado, o republicano Mitch McConnell, previa que houvesse uma votação para decidir se seriam admitidos pedidos de convocação de testemunhas e de intimação de documentos após a apresentação dos argumentos da acusação e da defesa.
O plano também estipulava que cada uma das apresentações duraria 24 horas, distribuídas por dois dias, seguidas de 16 horas para perguntas.
Além da questão das novas provas, os senadores votariam para decidir se seriam incluídos no processo perante o Senado os autos do procedimento que tramitou na Câmara, onde estão registradas todas as evidências reunidas pelos deputados.
Os três pontos foram duramente criticados pelos democratas, que defendem a inclusão automática dos autos, três dias para a apresentação de argumentos e a votação sobre as novas provas já no início do julgamento.
Os senadores da oposição avaliam que, caso a decisão sobre novas evidências ocorra após a explanação da acusação e da defesa, há maior risco de que os republicanos pressionem por uma votação final sobre a absolvição de Trump —nesse cenário, a oportunidade de produzir novas provas seria perdida.
Os democratas também questionam o fato de McConnell, que controla a pauta, ter se comprometido a propor as mesmas regras do julgamento do ex-presidente Bill Clinton, do Partido Democrata.
Na ocasião, em 1999, defesa e acusação tiveram 24 horas para apresentar argumentos, sem limite de dias, e a inclusão dos autos do processo que se desenrolou na Câmara foi automática.
Quanto à produção de novas provas, o ponto mais sensível para os democratas neste processo, as regras do caso Clinton previam que os senadores votassem, após a fase de perguntas, quais testemunhas gostariam de intimar —não havia, portanto, uma votação intermediária para decidir, de forma geral, se novas provas seriam aceitas.
Após debates internos entre republicanos, a proposta de McConnell foi alterada: o prazo para apresentação de argumentos subiu para três dias e a inclusão dos autos da Câmara passou a ser automática.
As mudanças foram feitas em grande parte por pressão da senadora moderada Susan Collins, que enfrentará uma eleição apertada em seu estado, o Maine, e, por isso, procura se afastar da ala mais trumpista de seu partido.
A definição das regras processuais coloca em jogo a própria duração do processo, outro ponto politicamente sensível para os dois lados.
O julgamento provavelmente se estenderá até o início das primárias —3 de fevereiro, em Iowa —e ao discurso presidencial Estado da Nação.
Os democratas trabalham para prolongar as audiências, apostando que o processo possa expor a gestão Trump e comprometer a popularidade do presidente.
A estratégia, no entanto, pode sair pela culatra. Três pré-candidatos democratas (Elizabeth Warren, Bernie Sanders e Amy Klobuchar) são senadores —eles terão que pausar a campanha para comparecer às sessões, em Washington.
PONTOS EM DEBATE
Tempo para argumentos
Republicanos propuseram inicialmente 24 horas para cada lado, distribuídas em dois dias. A proposta foi alterada para estender o prazo para três dias, como pediam os democratas
Novos documentos
Democratas querem poder intimar órgãos do Executivo, como a Casa Branca e o Departamento de Estado, para que eles forneçam documentos que possam servir de prova no julgamento.
Dois requerimentos desse tipo foram negados nesta terça pela maioria republicana no Senado
Novas testemunhas
Republicanos defendem um julgamento rápido e, por isso, não se mostram dispostos a ouvir novas testemunhas. Já os democratas querem que pessoas que foram barradas de testemunhar pela Casa Branca sejam chamadas a depor
Inclusão dos autos do processo perante a Câmara
Os democratas, que conduziram a primeira fase do processo, argumentaram pela inclusão automática dos registros nos autos do julgamento no Senado.
A proposta inicial dos republicanos, que previa uma votação sobre esse ponto, foi alterada para atender ao partido adversário.