O nervosismo com a propagação do coronavírus afunda seu rastro na América Latina. Nesta quarta-feira, a Colômbia e o Peru decidiram impor uma quarentena obrigatória de 14 dias a qualquer viajante que chegar a seus respectivos territórios procedente de outro país que seja um foco de transmissão. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, admitiu que cogita medidas similares. A restrição, que já vinha sendo praticada por Chile, Guatemala e El Salvador, volta-se principalmente para Espanha e Itália, países de onde procedem os contágios confirmados na América Latina. A França, terceiro país europeu com mais casos, e a China, epicentro do vírus, também fazem parte dessa lista.
O presidente da Colômbia, Iván Duque, anunciou a medida após confirmar nove infectados nas populosas cidades de Bogotá, Medellín e Cartagena. Os passageiros que desembarcarem na Colômbia deverão manter isolamento de 14 dias em seus locais de destino, sejam residências ou hotéis. “O isolamento preventivo é adotado para proteger a saúde coletiva”, disse Duque. Seu ministro da Saúde, Fernando Ruiz, foi mais taxativo: “Se não puderem arcar com o isolamento, as autoridades sanitárias recomendam não visitar a Colômbia”. As autoridades estudam novas medidas que afetarão os eventos maciços e as aglomerações humanas. Na semana passada, após uma decisão do Executivo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento decidiu adiar para setembro sua assembleia anual, originalmente programada para 18 a 22 de março em Barranquilla, a principal cidade colombiana na costa do Caribe.
O Peru, por sua vez, adotou essas mesmas restrições na manhã de quarta. Com 15 contágios confirmados, o presidente Martín Vizcarra determinou o “isolamento domiciliar preventivo” por 14 dias de todas as pessoas que cheguem ao Peru procedentes da Itália, Espanha, França e China. Em um decreto, o Governo peruano emitiu uma declaração de emergência sanitária pelos próximos 90 dias. Entre as medidas tomadas destaca-se o adiamento por duas semanas do início do ano letivo, originalmente programado para 16 de março. Para proteger os cidadãos, a Universidade Nacional Maior de São Marcos, instituição pública mais importante do país, divulgou um vídeo informativo em quéchua, a língua indígena predominante no Peru.
A Argentina, o único país da América Latina com um morto confirmado (um homem de 64 anos que chegou da França), elevou para 21 o seu número de contagiados. Nesta quarta-feira, diante da declaração de pandemia global feita pela Organização Mundial da Saúde, o presidente Alberto Fernández anunciou que prepara um decreto para declarar a obrigatoriedade das quarentenas, sob ameaça de algum tipo de sanção penal. “A pessoa que cumpre essa quarentena de 14 dias depois de viajar tem a obrigação de se fechar solitariamente em sua casa. Não será algo voluntário, como até agora. Se não cumprir, estará incorrendo em um delito, que é o delito de pôr à saúde pública em risco”, disse Fernández, embora a imposição de penas seja uma atribuição do Congresso, que o presidente não pode impor por decreto. Até agora, as medidas oficiais se limitam a controles extraordinários nos voos procedentes da Itália, Espanha, Alemanha, França, China, Coreia do Sul, Japão e Irã, além da recomendação de quarentenas voluntárias às pessoas que tenham visitado os países de risco.
O Chile tomou medidas na terça-feira, quando o Governo de Sebastián Piñera decidiu qualificar como “viajantes de alto risco” aqueles que cheguem da Espanha e Itália, impondo-lhes também uma quarentena de 14 dias. O Governo chileno já tinha determinado, desde o dia 6, que os passageiros que cheguem por ar, mar ou terra assinem uma declaração jurada onde devem informar sobre os países que visitaram nos últimos 30 dias —com menção especial à China—, se tiveram contato com pessoas doentes, se sofreram algum dos sintomas associados à doença e sua direção de hospedagem durante sua estadia em território chileno. Com 23 casos confirmados, todos importados e com maior presença na capital, ainda não há restrição a grandes eventos. No final de março, o Chile deve acolher o festival Lollapalooza, que reúne mais de 200.000 pessoas e 100 artistas durante três dias em Santiago.
A decisão de controlar os passos dos viajantes começou em El Salvador, onde o Governo de Nayib Bukele proibiu desde 22 de janeiro a entrada de viajantes procedentes da China e Irã. A restrição foi depois ampliada para quem viesse da Coreia do Sul e Itália. Nesta quarta, o Governo salvadorenho subiu mais um degrau em sua tentativa de frear a epidemia antes de sua entrada no país e declarou uma quarentena nacional por 21 dias. Durante essas três semanas, estrangeiros estão proibidos de entrar em El Salvador, e todas as instituições educativas estarão fechadas. A Guatemala, que por enquanto não tem casos confirmados, também seguiu esse exemplo e proibirá a entrada dos cidadãos europeus a partir desta quinta-feira, além de confinar obrigatoriamente por duas semanas qualquer cidadão guatemalteco que retorne da Europa.
Na Bolívia, as autoridades sanitárias confirmaram dois casos de contágio na terça-feira passada. Trata-se de duas mulheres maiores de 60 anos procedentes da Itália. Apesar do reduzido número de casos, a população boliviana reagiu com temor perante a possibilidade da propagação do vírus. O Governo de transição declarou emergência nacional nesta quarta-feira e pediu aos cidadãos que se submetam a “isolamento voluntário” caso tenham passado por algum país que enfrenta a epidemia.
Em Santa Cruz, cidade do leste da Bolívia onde reside uma das mulheres contagiadas, os funcionários de quatro hospitais impediram que ela fosse internada, numa espécie de motim do qual também participaram alguns moradores destes centros de saúde. A mulher, de 60 anos, acabou sendo internada em repartições públicas da cidade à espera que as autoridades possam transferi-la para algum hospital. Em Oruro, cidade do oeste do país onde surgiu o segundo caso, as aulas foram suspensas mesmo sem consulta prévia ao Ministério de Educação, que depois revogou a medida. Em Yacuiba, na fronteira com a Argentina, os moradores bloquearam a estrada para exigir um controle dos viajantes provenientes do país vizinho, onde a enfermidade está mais difundida.