Foi graças à casca do maracujá que a estudante Juliana Estradioto, 19, viajou de avião pela primeira vez. Em 2017, ela saiu de Osório, um pequeno município de 45.000 habitantes no Rio Grande do Sul, para ir até São Paulo apresentar seu projeto científico: um plástico biodegradável feito a partir dos restos da fruta. Da primeira viagem de avião para cá, Juliana desenvolveu outros projetos, ganhou prêmios, viajou para a Suécia, onde participou da entrega do prêmio Nobel, patenteou outra descoberta e entrou na universidade. Tudo na velocidade de um asteroide. Talvez o seu próprio, já que ela é a única brasileira a ter um asteroide com seu nome, fruto de um prêmio internacional que recebeu por suas descobertas.
Formada no Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação do Rio Grande do Sul (IFRS), ela acredita que sua trajetória numa instituição pública de referência fez toda a diferença para chegar onde chegou. “Se eu não tivesse estudado em uma escola que tem como pilares o incentivo à pesquisa e à extensão, acho que talvez nem soubesse que dava para fazer pesquisa no ensino médio”, disse, por telefone, ao EL PAÍS. “Tive oportunidades lá que nem na escola privada eu acho que teria”, afirmou, enquanto preparava a mudança para Porto Alegre. Na capital, ela dará início ao curso de Engenharias de Materiais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Sou apaixonada por laboratórios”, conta.
Sua trajetória nas instituições públicas são parte da resistência formada por estudantes e pesquisadores, frente a uma série de ataques à ciência e à academia, além dos cortes em série dos últimos anos. “Eu tinha muita esperança de quando eu fosse para a universidade as coisas fossem melhorar, mas estamos vivendo uma globalização da falta de valorização da ciência”, diz. Ainda assim, ela se diz otimista. “Meu maior sonho é que todo jovem brasileiro tenha oportunidade de fazer pesquisa como eu tive. Espero, no futuro, fundar uma instituição só para mim.”
Por enquanto, ela se dedica, além dos estudos e descobertas, aos seus projetos próprios. O Meninas Cientistas, uma rede dedicada a dar visibilidade para meninas que fazem pesquisa, é um deles. “Quando eu ganhei o prêmio jovem cientista, em 2018, recebi muitas mensagens de pessoas falando que não sabiam que meninas faziam pesquisa na escola”, diz. “E isso me incomodou muito, porque eu sei que elas existem, eu conheço muitas meninas que fazem pesquisa”.
Por isso, ela diz acreditar que se não fosse menina, tudo seria diferente. “Já no fundamental eu gostava de matemática, mas sentia que faltava estímulo”, conta. “Quando entrei no ensino médio, eu podia me inscrever no curso de informática ou administração, mas escolhi administração porque achava que informática não era para menina. Hoje vejo que teria sido muito útil estudar informática”. Mas foi também na escola que ela conheceu a professora que a incentivou por todos os anos. “Na escola, me voluntariei num projeto de pesquisa ao perceber a quantidade de resíduos que agricultores aqui do litoral geravam para produzir geleias de frutas e vender nas feiras”. Foi então que, da casca do maracujá que ia para o lixo, Juliana criou a resina biodegradável que virou prêmio. “Minha professora, a Flávia Twardowski, sempre me incentivou. Além da minha mãe, que sempre me inspirou”, conta. “Devemos nos inspirar nas mulheres que estão à nossa volta, como amigas e professoras, não somente em nomes poderosos e conhecidos”.
Filha de mãe professora e pai aposentado por invalidez, Juliana é a filha caçula do casal, que tem mais um filho. Quando criança, preferia subir em árvores a fazer experimentos científicos. “Quando eu era criança, não me imaginava como cientista, porque tinha aquele estereótipo de que cientista é velhinho de cabelo branco”, conta. Hoje, ela aguarda para saber qual é o asteroide que enfim carregará seu nome, fruto de um prêmio para jovens cientistas em parceria com do prestigioso MIT, o Instituto de Tecnologia de Masachusetts . “Espero para saber onde ele está localizado”, diz. “Mas eu já sei que ele não vai cair nos próximos 100.000 anos, então eu não vou ser a causa de nada”, conta, rindo.
Do maracujá à macadâmia
Após o desafio do maracujá, foi graças a uma outra casca, desta vez a da macadâmia, que Juliana foi ainda mais longe: ganhou uma viagem à Suécia, onde participou, no ano passado, da entrega do prêmio Nobel. Para chegar lá, ela uniu uma condição pessoal —ser vegetariana— a uma demanda que partiu do Instituto Federal do Espírito Santo: pensar em uma alternativa para o uso da casca da macadâmia, que normalmente vai para o lixo. “Eu nem sabia direito o que era macadâmia, só sabia que tinha no cookie do Subway, porque não é algo acessível”, conta. Mas, ao receber da professora o pedido de uma solução, logo se colocou a pensar. “Sou vegetariana e estava procurando uma alternativa ao couro que não fosse sintética. Vi que existia uma jaqueta feita a partir de uma fibra produzida por microrganismos e achei incrível”, diz. “Juntei então a casca da macadâmia aos microrganismos, que se alimentam dela e produzem uma membrana, parecida com o plástico”.
O projeto foi patenteado no ano passado. De acordo com sua criadora, a membrana não será usada somente para vestimentas, mas em outras áreas, como na medicina, sendo parecida com a pele e veias artificiais. Além disso, a descoberta lhe rendeu a viagem internacional e uma campanha inusitada no ano passado. Para participar da cerimônia do Nobel, ela precisava de um vestido. “Eu não tinha uma roupa chique para ir à entrega do Nobel. As pessoas então começaram a me escrever querendo me ajudar”, lembra.
No final, ela ganhou um vestido de uma loja da sua cidade, Osório, e foi. “Um dia antes da entrega do Nobel, apresentamos nossos trabalhos a outros jovens. Aquele foi um dos melhores dias da minha vida”, diz. “No dia seguinte, na cerimônia, um dos premiados com o Nobel disse que nós éramos o futuro da ciência. E para fechar com chave de ouro, nevou. Eu nunca tinha visto a neve. É claro que eu chorei, né?”.