“Você acha que as pessoas estão interessadas interessadas em ver dois bilionários brigando no Twitter?”, perguntou um jornalista a Michael Bloomberg, que tenta ser o adversário democrata do presidente Donald Trump na eleição em novembro.
“Dois bilionários? Quem é o outro?”, respondeu ele, mirando um ponto fraco do atual mandatário americano, que diz ter bilhões, mas se recusa a divulgar seus dados do imposto de renda.
Como de costume, dinheiro tem feito a diferença na disputa eleitoral dos Estados Unidos neste ano. Bilionários, também — ao menos 40 deles fizeram doações neste ano, como o cineasta Steven Spielberg e o ex-chefe do Google, Eric Schmidt.
O principal deles até agora, Bloomberg, que detém a oitava maior fortuna do mundo (R$ 268 bilhões), tem bancado do próprio bolso uma estratégia eleitoral sem precedentes, e que começa a surtir efeito. Resta saber até que ponto.
Ex-prefeito de Nova York e magnata da mídia, ele entrou tardiamente na disputa interna do Partido Democrata pela candidatura à Presidência e decidiu ignorar o processo de escolha nos quatro primeiros Estados das primárias, quando os eleitores votam em quem deveria de fato ser o candidato.
Por outro lado, decidiu focar Estados com muito mais peso na escolha final, como Califórnia e Texas, e gastar uma fortuna em propagandas na mídia tradicional e nas redes sociais. Ele tenta se posicionar como o candidato moderado com mais chance de vitória contra Trump.
Milhões em propaganda
Entre outubro e dezembro de 2019, Bloomberg colocou do próprio bolso o equivalente a mais de R$ 860 milhões, uma média diária de quase R$ 14 milhões.
É quase o patamar de gastos de Barack Obama durante toda a eleição presidencial de 2012. E Bloomberg não descarta gastar até R$ 4 bilhões na disputa eleitoral contra Trump, mesmo que ele não seja escolhido o candidato democrata.
Aparentemente, a estratégia dele começou a surtir efeito, principalmente entre eleitores mais velhos, ricos e moderados — a energia que Trump gasta contra ele no Twitter é outro bom termômetro.
Segundo pesquisas eleitorais da Universidade Quinnipiac, Bloomberg saltou de 8% das intenções de voto em 28 de janeiro para 15% em 10 de fevereiro e apresentou a maior vantagem numa eventual disputa contra Trump: 51% a 42%.
Até o momento, ainda segundo a Quinnipiac, a disputa pela indicação dos democratas é liderada por Bernie Sanders, com 25% das intenções de voto, seguido de Joe Biden (17%), Bloomberg (15%), Elizabeth Warren (14%), Pete Buttigieg (10%) e Amy Klobuchar (4%).
Se Bloomberg, de 77 anos, embaralha o jogo no campo dos nomes mais moderados do partido, Sanders, 78, ganha força na outra ala da sigla, a progressista.
Vencedor nos dois primeiros Estados das prévias — o caucus de Iowa e a primária de New Hampshire —, Sanders tem seguido um caminho inverso. Ele critica a tentativa de Bloomberg de tentar “comprar a eleição”, se gaba de não ter o apoio de bilionários e arrecadou o equivalente a quase R$ 400 milhões de pequenos doadores.
“Diferentemente de algumas campanhas, Pete (Buttigieg), eu não tenho 40 bilionários financiando minha campanha vindo da indústria farmacêutica, de Wall Street e de todo esses interesses financeiros”, declarou em um debate.
Apoio popular
Sanders conta com outro ponto importante nas corridas eleitorais: o tamanho da cobertura midiática que ele consegue atrair e de sua base de apoio popular. Vitórias como as que ele teve ao longo das prévias tendem também a reforçar esses dois pontos e melhorar sua posição nas pesquisas.
A estratégia incomum de Bloomberg embaralha ainda mais as previsões. O site americano FiveThirtyEight, fundado pelo economista e estatístico Nate Silver, que acertou nos modelos que previram a eleição de Obama, mas errou sobre Trump, afirmava ser quase impossível estimar as chances de Bloomberg por falta de precedentes e de dados nas primárias iniciais.
Em uma média das pesquisas eleitorais, calculada pelo FiveThirtyEight, Sanders lidera com 22,3%, seguido de Biden (19,9%), Bloomberg (13.2%), Warren (13%), Buttigieg (9,8%) e Klobuchar (3,9%). Em 30 de novembro, Bloomberg tinha 3,6%. O cenário muda a cada pesquisa e votação primária.
No momento, o FiveThirtyEight estima que as chances de Sanders alcançar a maioria dos votos e obter a indicação são de 38%.
“Sanders ganhou no voto popular nos dois primeiros Estados. Ele lidera nas pesquisas nacionais (tendo destronado recentemente Joe Biden, que era favorito, mas vive derrocada). Ele arrecadou uma tonelada de dinheiro. Ele aparece bem nas pesquisas de Nevada (próximo palco das primárias). E ele tem um coalizão razoavelmente diversa que pode lhe dar suporte em quase todos os Estados e distritos”, escreve Silver.
Mas o próprio site aponta também que o avanço de Bloomberg nas pesquisas de intenção de voto favorece um outro cenário: nenhum nome democrata atinge a quantidade de votos mínima nas primárias para conquistar o posto de candidato presidencial antes da convenção do partido.
Segundo o FiveThirtyEight, a chance de isso acontecer é 33%. Nesse cenário, a decisão será tomada durante a convenção, no meio do ano, e pode favorecer mais um candidato moderado que consiga atrair apoio de representantes de diversas alas do partido que um progressista mais radical.
Mas quem é Michael Bloomberg?
Nascido em 1942, na cidade de Boston, Massachusetts, Bloomberg estudou engenharia elétrica na Universidade Johns Hopkins e depois fez um mestrado em administração de empresas na Universidade Harvard que marcaria o resto de sua vida e sua fortuna.
Depois de se formar, seu primeiro trabalho foi em Wall Street: ingressou no banco de investimentos Salomon Brothers, onde era responsável pelo comércio de ações e, posteriormente, pelo desenvolvimento de sistemas.
Como já contou em diversas entrevistas, ao trabalhar em Wall Street, ele percebeu que a comunidade financeira estava disposta a pagar por informações comerciais de alta qualidade, entregues o mais rápido possível e de todas as formas possíveis (gráficos e dados, por exemplo).
Seu sistema passou a ser usado pela maioria dos serviços financeiros dos Estados Unidos. E logo começou a usar seus ganhos para criar um dos maiores serviços de notícias financeiras do mundo, a Bloomberg News.
Bloomberg entrou para a política em ano e lugar decisivos para os EUA: 2001 e Nova York.
Foi então que ele também começou a mostrar um lado que muitos de seus críticos apontaram ao longo dos anos: sua ambivalência política.
O magnata, membro vitalício do Partido Democrata, decidiu concorrer à Prefeitura de Nova York pelo Partido Republicano — depois ele se afastaria da sigla, se tornaria independente e depois voltaria a ser democrata.
Embora durante seu mandato o padrão de vida em Nova York tenha melhorado e o crime, diminuído, Bloomberg ficou marcado por implementar um controle policial excessivo e ostensivo na cidade.
O mais notável era um programa conhecido como “pare, pergunte e registre”, que permitia aos agentes de segurança pararem as pessoas temporariamente, interrogá-las e, às vezes, revistá-las nas ruas em busca de armas e contrabando.
Essa política se concentrou mais em negros e latinos e foi classificada por muitas entidades de racista. Bloomberg disse que esse programa foi um erro e pediu desculpas.
Mas recentemente veio à tona uma gravação em que ele afirma que esse programa deveria focar bairros de minorias “porque é ali onde está todo o crime”. O áudio foi divulgado por um apoiador de Sanders, mas repercutiu em todo o espectro político.
“WOW, Bloomberg é um grande racista”, tuitou Trump.
Em seguida, Bloomberg se desculpou novamente pelo programa e pela declaração. “Eu me arrependo e peço desculpas. Eu me responsabilizo por demorar tanto para entender o impacto disso nas comunidades latinas e negras.”
Fonte: BBC Brasil