Disputa entre Arábia Saudita e Rússia gera efeito dominó no Brasil e deve afetar negativamente receitas da Petrobras, pré-sal, produção do etanol e a arrecadação do Estado. Gasolina deve baratear nos postos.
O maior tombo do preço do barril do petróleo em quase 30 anos gerou, nesta segunda-feira, um dia de pânico nos mercados financeiros, já abalados pela epidemia do coronavírus, e perdas relevantes para as principais petroleiras e empresas do setor de energia no mundo. No Brasil, a Petrobras perdeu 91,1 bilhões de reais em valor de mercado, a maior queda desde 1986, segundo dados da Economática. As ações da petroleira recuaram quase 30%, cotadas a 16,05 reais. A forte queda na cotação do petróleo ocorreu após a Arábia Saudita ter sinalizado que elevará a produção para ganhar participação no mercado e que cortará seus preços oficiais de venda como resposta à recusa da Rússia de conter a produção por causa da queda da demanda provocada pelo vírus chinês. O movimento deve afetar o preço da gasolina, o lucro da Petrobras, a produção do etanol e a arrecadação, segundo especialistas. Ainda é cedo para estimar quanto tempo essa disputa irá se prolongar e quais serão todos os efeitos e estragos gerados pela nova guerra de preços. Para os próximos dias, a certeza é de forte especulação.
O derretimento dos papéis da Petrobras aconteceu no mesmo dia em que foi necessário acionar o circuit breakerno Brasil, um mecanismo de segurança utilizado para interromper todas as operações da Bolsa. As negociações ficaram paralisadas por 30 minutos, mas não foi suficiente para acalmar os ânimos. A Bolsa despencou 12,17%, a 86.067 pontos no fechamento, a maior queda percentual diária do século. O dólar, que começou a semana em disparada acentuada contra o real, chegando a superar 4,79 reais, fechou o dia cotado 4,72 reais.
A decisão da Arábia Saudita pode afetar a geração de caixa da Petrobras, assim como seu plano de desinvestimentos e de quitação da dívida, que foi puxada para cima pela alta do dólar. A expectativa é que, com a queda do preço do petróleo, a companhia perca receitas. “O preço acima de 50 dólares estava ajudando na lucratividade e a abater a dívida”, explica Walter De Vitto, da consultoria Tendências. No ano passado, a Petrobras ganhou mais de 40 bilhões de reais, o que representou o maior lucro anual de sua história. A tendência é que agora haja menos interesse de investidores na exploração de petróleo. Há pelo menos trêsleilões de petróleo previstos para este ano.
Impacto no bolso dos brasileiros
No lado dos consumidores, a notícia é positiva. Com a queda do petróleo, a estatal deve promover uma redução no preço da gasolina, já que desde 2016 a companhia adotou uma política de paridade internacional para definir o preço da gasolina que vende à distribuidora. Caso os valores dos combustíveis sejam reduzidos mesmo nas bombas, a queda pode gerar outros efeitos negativos para a economia brasileira. Um dos impactos será na arrecadação dos Estados e municípios, que ganham receitas cobrando ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nas bombas dos postos. Com o preço mais baixo, os impostos arrecadados também diminuem. Com o petróleo mais barato, União, Estados e municípios também vãoarrecadar um valor menor de royalties. “Esse movimento agrava ainda mais o déficit de Estados como o do Rio de Janeiro, que criou há muito tempo uma ‘petrodependência’ irresponsável”, explica Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE) e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobras.
Até o próprio Orçamento federal deste ano é colocado em xeque com a mudança do valor do Brent do petróleo, já que ela afeta diretamente as receitas da União geradas pelos royalties. Ao ser enviado ao Congresso, a equipe econômica considerou o preço médio do barril de petróleo a 58,96 dólares. Uma realidade distante da cotação desta segunda-feira, de 31 dólares.
O presidente Jair Bolsonaro descartou nesta segunda-feira elevar a Cide, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico que incide sobre os combustíveis, para aumentar a arrecadação federal aproveitando a queda abrupta na cotação do petróleo no mercado internacional. Ele disse que a tendência é que os preços dos combustíveis caiam nas refinarias. Bolsonaro também reiterou que a Petrobras vai manter sua política de preços sem interferências políticas. “Não existe possibilidade do Governo aumentar a Cide para manter os preços dos combustíveis”, disse Bolsonaro em publicação no Twitter.
A queda do petróleo prejudica também a exploração do pré-sal, já que, com a queda no valor do Brent, os investimentos para captar o óleo em águas profundas pode não dar o retorno financeiro suficiente aos investidores.
Sauer ressalta que o mercado de etanol também deve sofrer, já que o produto não deve conseguir concorrer com uma gasolina mais barata. Usinas devem reduzir a produção, o que pode aprofundar a crise no setor. “O preço mais barato do petróleo é tudo que as economias importadoras querem ter, porque barateia várias cadeias de produção. Hoje vemos as bolsas caindo por causa da epidemia do coronavírus e por todas as petroleiras que sairão perdendo”, diz.
A guerra de preços ganhou novas dimensões na noite de sábado, quando a petrolífera estatal saudita, Saudi Aramco, anunciou aumento da produção e redução de preços no barril, após a Rússia vetar um acordo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+). O objetivo da medida seria forçar os russos a retomarem as negociações sobre cortes na produção, para fazer frente ao freio da demanda global diante da disseminação do coronavírus. A Rússia, por sua vez, afirmou nesta segunda-feira que tem condições de sustentar preços mais baixos por 10 anos. “Nos próximos dias haverá muita especulação. A principal questão é: isso é uma jogada da Arábia Saudita que ela irá bancar? Ou será uma ameaça apenas para ver se a Rússia voltará atrás?”, questiona De Vitto, da consultoria Tendências.
Em relatório divulgado nesta segunda, a Agência Internacional de Petróleo (AIE) estimou que o consumo de petróleo pode cair até 730 mil barris por dia este ano, o maior recuo desde 2009, quando os efeitos da crise financeira de 2008 ainda eram sentidos.
Informações de: El País.