Quando o astrofísico Patrick Antolin observou pela primeira vez explosões diminutas em forma de jato na coroa do Sol, não tinha ideia do que significavam. Não sabia que essas observações determinariam o rumo de seu trabalho investigativo, nem tampouco que abririam a porta para resolver o principal mistério de nossa estrela. “As imagens me impactaram. Minha intuição me dizia que eram importantes, mas naquele momento não podia me dedicar a estudá-las. Guardei as fotos na minha gaveta e elas passaram três anos enchendo de poeira”, conta por telefone Antolin, autor principal de uma pesquisa publicada recentemente na Nature Astronomy que prova pela primeira vez a existência de nanofulgurações e ajuda a explicar por que a coroa solar é milhares de vezes mais quente que sua superfície.
As observações com as quais Antolin trabalhou foram feitas em 2014 durante uma revisão do catálogo do satélite IRIS, mas ele só pôde analisá-las com atenção em 2017, quando sua chefa no pós-doutorado no Reino Unido lhe deu liberdade para se dedicar integralmente a essa pesquisa. Na série de imagens que Antolin reconstruiu é possível observar pela primeira vez na história três etapas claras de como a energia magnética se transforma em energia térmica e aquece a coroa solar. Primeiro se vê um pedacinho da coroa que está relativamente frio, a uma temperatura aproximada de 60.000 graus centígrados. Depois se observam diminutas explosões que liberam energia, batizadas por Antolin de nanojatos, por sua semelhança com os aviões de alta velocidade, e conhecidas no mundo da física como nanofulgurações. E finalmente se pode comprovar como esse mesmo fragmento da coroa que no princípio estava frio se aquece a milhões de graus.
O pesquisador colombiano-francês, de 41 anos, reconhece que estes eventos são muito esporádicos e ocorrem em níveis muito pequenos. “É preciso uma sorte incrível para que o satélite esteja apontando para esse lugar exato, no momento preciso”, diz Antolin. A análise das imagens permitiu esclarecer que a eclosão de cada nanojato dura menos de 10 segundos, tem uma velocidade de 700.000 quilômetros por hora, e a energia liberada em cada pequena explosão é equivalente a 2.000 bombas nucleares como as de Hiroshima. “O que observamos foi uma espécie de efeito avalanche no qual no princípio havia um grupinho de nanojatos explodindo, e depois se expandiram por todo o arco magnético que se chega a observar pelo satélite. Ao todo observamos 150 microexplosões em 10 minutos”, conclui Antolin.
A cientista espanhola Ada Ortiz Carbonell, doutora em Física e pesquisadora de astrofísica solar na Universidade de Oslo, confirma que a descoberta é muito importante para resolver o mistério da coroa solar. “As nanofulgurações foram propostas como mecanismo para o aquecimento da coroa nos anos oitenta, mas até agora não haviam sido observadas. Uma coisa é a teoria, e outra, a prática”, afirma Ortiz. E acrescenta: “Antes haviam sido vistos brilhos na coroa com raios X, mas realmente não era possível associar esses brilhos ao aquecimento dos arcos na coroa”.
A NASA também reconheceu o valor do trabalho o mesmo dia de sua publicação. “Os pesquisadores informam sobre as primeiras imagens nítidas de nanojatos, luzes finas e brilhantes que ocorrem nas estruturas magnéticas na coroa solar. Este processo revela a existência das nanofulgurações, candidatas a explicar o aquecimento coronal”, lê-se no artigo da agência espacial norte-americana. Entretanto, Antolin, Ortiz e os pesquisadores da NASA concordam que ainda é preciso fazer mais observações semelhantes para dar como resolvido o mistério do aquecimento da coroa solar. “Serão necessários novos estudos para estabelecer a frequência de nanojatos e nanofulgurações em todo o Sol, e sobretudo para averiguar quanta energia eles fornecem para o aquecimento da coroa”, afirma a agência espacial. Ortiz, por sua vez, afirma haver consenso entre os físicos solares sobre a não existência de um mecanismo único que justifique o aquecimento da coroa, e sim de vários ocorrendo ao mesmo tempo. “Não resolvemos totalmente o problema da coroa solar, mas é um passo muito importante”, conclui.
O mistério que intriga os físicos
Os astrofísicos estão há mais de oito décadas tentando entender por que a coroa solar é milhares de vezes mais quente que a superfície, já que ela está mais longe do núcleo do Sol, onde se produz o calor. O problema é apaixonante porque é dos poucos fenômenos naturais tão anti-intituitivos, aparentemente escapando à lógica com que entendemos o mundo. O centro do Sol está mais ou menos a 15 milhões de graus centígrados, e sua superfície tem uma temperatura de apenas 6.000 graus. Até aí, tudo normal; quanto mais longe estamos da fonte de energia, mais baixa é a temperatura. O enigma se dá porque a coroa solar, centenas de milhares de quilômetros mais distante do núcleo do que a superfície, volta a se aquecer até quase cinco milhões de graus.
Os cientistas usaram várias analogias para tentar explicar a complexidade deste fenômeno. “É como se, à medida que você afastasse sua mão de uma vela, sentisse mais calor”, diz Antolin. Ou como se o vapor de um café fervendo fosse mais quente que o próprio café. Ou como se uma fogueira aumentasse sua temperatura ao se afastar da chama. “Isto intriga os físicos solares há muito tempo. É muito anti-intuitivo”, admite Ada Ortiz.
A coroa solar é como a atmosfera que cerca a estrela e é visível durante os eclipses solares, quando o Sol fica coberto pela Lua. O astrofísico Juan Diego Soler, pesquisador de Astrofísica do Instituto Max-Planck de Astronomia, na Alemanha, explica em um artigo sobre a descoberta de Antolin que há registros da observação da coroa já no século XVIII, mas foi o astrônomo espanhol José Joaquín de Ferrer quem, por volta de 1809, lhe pôs o nome com o qual a conhecemos hoje. Soler conta que é por causa da forma da coroa solar que se dá o nome de coronavírus ao agente patogênico que causou mais de um milhão de mortes em 2020. “As proteínas que envolvem os coronavírus, vistas pela primeira vez em 1968, dão-lhe um aspecto similar ao do Sol durante um eclipse”, comenta.
Antolin afirma que resolver o mistério do aquecimento da coroa solar tem implicações diretas na vida cotidiana dos seres humanos. “A Terra está dentro da coroa solar, como uma pipa no vento, ou como uma pedra no rio. Nosso planeta está sujeito a todas as mudanças de fluxo que provêm do Sol”, diz Antolin. O pesquisador afirma que a chave para entender o enigma está no campo magnético que surge no centro do astro, vai saindo para a superfície e ocupa todo o espaço da coroa. “Esse campo tem muita energia magnética que se transforma em energia térmica para aquecer o gás. O desafio é identificar como se dá esta transformação.”
Para tentar entender como funciona o campo magnético do Sol, Antolin propõe imaginar uma espécie de teia de aranha magnética ancorada a uma superfície que se mexe o tempo todo. “Os fios da teia se enredam e se emaranham, estão tensos e vibram o tempo todo, mas chega um momento em que começam a se soltar, a se desenredar. Este processo é conhecido como reconexão magnética e foi descoberto pelo físico Eugene Parker nos anos oitenta”, diz Antolin. Para Parker, a energia magnética que estava contida nesses fios deveria se transformar em energia térmica através das famosas nanofulgurações, para assim aquecer a coroa solar. Entretanto, quando Parker propôs essa solução para o enigma, não havia como comprová-la, porque os telescópios não tinham resolução suficiente.
Antolin afirma que o que ele e sua equipe descobriram foi o fenômeno que permite explicar a teoria de Parker. “Os nanojatos que observamos são as nanofulgurações que Parker predisse”, diz Antolin. E conclui: “O próximo passo é detectar estas pequenas explosões em toda a coroa solar. Se estiverem por toda parte, então ganhamos. Estatisticamente poderíamos dizer que se resolveu o problema do aquecimento da coroa solar”
Informações de El País.