O país que já foi o ‘menos desenvolvido do mundo’ e hoje supera a China em crescimento

Num momento em que as economias dos gigantes asiáticos estão estagnadas ou perdendo força, um país que desde a sua criação foi considerado um “caso perdido” tem registrado um crescimento assombroso nos últimos anos: Bangladesh.

Abalado por instabilidade política, corrupção, desastres naturais, fome e pobreza, esse país do Sudeste Asiático foi considerado o menos desenvolvido do mundo em termos econômicos per capita.

No entanto, graças a um boom econômico, associado a avanços em educação e saúde pública e um menor índice de vulnerabilidade, Bangladesh deve se livrar, até 2024, do selo de Países Menos Desenvolvidos (PMD) da Organização das Nações Unidas (ONU).

O país deve registrar neste ano uma taxa de crescimento em torno de 8%, acima da China, que prevê crescer quase 6% — o Brasil não deve passar de 2%, segundo as estimativas do mercado.

Bangladesh também tem aumentado a renda per capita, com uma queda do número de trabalhadores que vivem abaixo da linha de pobreza, de 73,5% em 2010 para 10,4% em 2018, segundo o Banco de Desenvolvimento da Ásia.

Além disso, um relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial de 2019 apontou que Bangladesh foi o segundo país asiático que mais subiu nesse ranking.

“É uma recuperação milagrosa e impensável 20 anos atrás”, afirma Sabir Mustafa, editor do serviço bengali da BBC.

Um começo difícil

Bangladesh é um dos mais países com maior adensamento populacional do mundo, com 162 milhões de habitantes em 144 mil quilômetros quadrados (quase o tamanho do Estado do Ceará) numa área delimitada pelos deltas de diversos rios que desembocam na baía de Bengala — a título de comparação, o Brasil tem 202 milhões de habitantes vivendo em um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

Conhecido antes como Paquistão Oriental, Bangladesh conquistou sua independência em 1971 como um país extremamente pobre, com um PIB recuando 14% em um ano, segundo o Banco Mundial.

A comunidade internacional considerava o país um “caso perdido” que demandaria sempre ajuda externa.

Passou 15 anos sob um regime militar, e ainda que tenha superado a instabilidade política e restabelecido a democracia nos anos 1990, a situação ali continuou volátil até a chegada em 2009 de um governo popular, mas autoritário. O extremismo local também aumentou.

Outro fator que afetou a economia ao longo de anos foi sua situação geográfica: é um país de baixa altitude, propenso a ciclones e inundações, e um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global.

Mas nos últimos anos o país tem apresentado sinais de desenvolvimento sustentado, graças a investimentos em capital humano, aumento do PIB per capita, melhorias em infraestutura e maior resiliência a calamidades econômicas e ambientais.

A desaceleração no crescimento populacional também tem contribuído para o aumento da renda per capita.

A indústria têxtil local, surgida nos anos 1970, movimenta atualmente quase US$ 30 bilhões (quase R$ 131 bilhões), segundo o Fórum Econômico Mundial. Mas a economia do país tem se diversificado para além das confecções e buscado novos mercados para suas exportações.

Mudanças decisivas

A primeira grande mudança no país ocorreu em 1991, com a redemocratização, que começou um processo de igualdade de condições para investidores, explica Sabir Mustafa, do serviço bengali da BBC.

“Sob a ditadura militar, o investimento ocorria no âmbito de um capitalismo clientelista. Aqueles que tinham contatos com os militares contavam com todas as vantagens, numa espécie de monopólio. A corrupção consumia tudo”, explica ele.

A corrupção não sumiu, mas a economia ficou mais aberta, e com o regime democrático vieram os investimentos. Não foi propriamente uma avalanche de dinheiro, relata Mustafa, mas a reputação melhorou aos poucos porque o país mostrava esforços para progredir.

Em segundo lugar, desde os anos 1980 o país manteve alto investimento nas pessoas, mais especificamente em saúde e educação. Houve amplo acesso à educação primária e medidas de saúde para reduzir a mortalidade infantil.

Sucessivos governos concentraram esforços na melhoria e na expansão da educação em diversas etapas. Até os anos 1980, o ensino superior estava nas mãos do governo, por meio de universidades públicas. O setor privado também se expandiu, e hoje há mais de 100 faculdades particulares no país.

O resultado tem sido a entrada de uma força de trabalho capacitada no setor de serviços, essencial em Bangladesh, que corresponde a 50% do PIB.

Segundo Sabir Mustafa, não se deve esquecer da atuação das organizações não governamentais que preencheram lacunas da administração pública a partir dos anos 1980, como projetos nutricionais e de empoderamento das mulheres, por exemplo.

“As ONGs atuaram nesses vazios criando escolas informais para os excluídos, promovendo a saúde primária e até mesmo atraindo capital estrangeiro para projetos os quais o governo não tinha como bancar.”

Megaprojetos

O terceiro momento-chave das mudanças em Bangladesh foi a chegada ao poder da primeira-ministra Sheikh Hasina, em 2009. Na campanha, ela focou investimentos em infraestrutura, a começar pela geração de energia elétrica.

Bangladesh era famosa por seus apagões. Apenas 47% da população tinham acesso à eletricidade. Grandes investimentos no setor elétrico aumentaram a geração de energia em 300%, levando a oferta para 95% da população e impactando a economia como um todo.

Setores como indústria e agricultura, na qual a irrigação demanda equipamentos, passaram por um grande impulso.

O governo de Hasina se concentrou também em rodovias e redes de telecomunicações, por meio de megaprojetos como a construção de uma ponte de 6km sobre o rio Padma, para conectar um terço do país ao restante do território.

Em geral, esse tipo de investimento é amplamente financiado pelo Banco Mundial, mas a instituição hesitou por causa da corrupção. O governo decidiu, então, investir bilhões de dólares do próprio bolso.

Estima-se que a obra, que começou em 2014 e deve ser concluída no fim deste ano, pode incrementar o PIB interno em até um ponto percentual.

O investimento também serve como uma sinalização de que o governo tem capacidade de caminhar com as próprias pernas.

Ainda que o índice de crescimento do PIB tenha caído em 2012 e 2014, por causa de conflitos políticos e violência ligados a eleições que afetaram a produção e as exportações, Sheikh Hasina conseguiu conter o conflito e o PIB voltou a crescer.

Indústria tradicional e diversificação

Bangladesh depende muito da indústria têxtil, exportando roupas para União Europeia e Estados Unidos e movimentando cerca de US$ 15 bilhões.

A indústria de confecção tem oferecido oportunidades de emprego a mulheres de zonas rurais que antes não tinham chance de ser parte da força de trabalho do país.

Outra fonte de recursos importantes é o montante de remessas feitas por cidadãos que vivem no exterior, representando cerca de US$ 15 bilhões por ano — vindos principalmente de países do Golfo e do Sudeste Asiático, como Cingapura, Arábia Saudita, Malásia e Bahrein.

Apesar da dependências desses dois setores, a economia vem se diversificando, com áreas como a de produção de couro, de alimentos congelados e de produtos agrícolas.

O desenvolvimento da indústria de tecnologia tem sido central na transformação digital do país e na continuidade do crescimento econômico.

Bangladesh tem se espelhado no modelo indiano, buscando se tornar um grande centro global de informática. Mas ainda há grandes obstáculos para isso.

Enfrentando a natureza

Em 1991, o país foi atingido por uma catástrofe que matou quase 150 mil pessoas e gerou estragos que passaram de US$ 1,7 bilhão à época.

Desde então, apesar das tormentas tropicais anuais, Bangladesh tem aprendido a administrar os efeitos devastadores da natureza.

Nas zonas costeiras, foram plantadas árvores que conseguem atenuar as inundações que causam mais mortes. Também foram construídos centros para abrir desabrigados, além da implementação de um sistema de saúde para tratar feridos e afetados por doenças ligadas a inundações.

“Bangladesh tem um sistema de gerenciamento de desastres melhor que o da Índia”, afirma Mustafa, do serviço bengali da BBC.

Agora, o grande desafio vem das mudanças climáticas. O país tem enfrentado migrações em massa de suas zonas costeiras, e passou a pedir ajuda internacional porque não consegue lidar sozinho com esses “refugiados climáticos”.

“Só que os países ocidentais não estão interessados nisso. Por isso, passaram a investir em projetos de mitigação desses efeitos que se adaptem a esse novo cenário”, explica Mustafa.

Pesquisadores estão trabalhando, por exemplo, no desenvolvimento de sementes que resistem à salinização da água por inundações.

A outra face da moeda

A grande mancha nesta economia próspera tem sido a corrupção endêmica.

Um dos setores mais afetados é o bancário, que tem quase US$ 11 bilhões nos chamados empréstimos podres, que nunca serão pagos porque estão ligados a pessoas com boas conexões políticas.

Sem recursos, os bancos não conseguem ampliar o crédito para quem precisa dele, como as pequenas e médias empresas. Ao mesmo tempo, o governo, altamente endividado, exige empréstimos do setor para seus projetos ambiciosos.

“Esse é um problema que continuará forte e poderá resultar em um colapso, como aconteceu na crise financeira em 2008 no Ocidente. Mas Bangladesh não teria como resgatar o banco, nem imporia um período de austeridade, porque precisa de mais dinheiro para pagar sua dívida, e não menos”, afirma Mustafa.

“Esse é o problema de um governo autoritário onde não há responsabilidade, porque você precisa manter algumas pessoas felizes, as pessoas de que precisa para se sustentar.”

Por outro lado, o país enfrenta dificuldades para cobrar impostos. O setor agrícola, por exemplo, é em grande parte informal.

A corrupção também afeta as condições de trabalho. Embora existam leis para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, elas não são implementadas ou fiscalizadas.

E embora a economia esteja crescendo, a diferença entre ricos e pobres tem aumentado.

É verdade que o sistema educacional está conseguindo formar mais estudantes nas universidades, mas o governo e o setor privado não conseguem absorver essa mão de obra.

E mesmo esse avanço do ensino superior não consegue preencher lacunas do mercado de trabalho.

“Empresas de confecção precisam de gerentes, especialistas em marketing, comunicadores. Mas precisa buscar esses profissionais em outros países, como Sri Lanka ou Índia, que têm mais qualificação e falam inglês”, por exemplo.

Para Mustafa, da BBC, se Bangladesh pode enfrentar o embate com a natureza, pode também fazer frente à burocracia e à corrupção que atravancam o país.

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