Comissão planeja estabelecer um piso de 60% da remuneração média de cada país, além de criar um seguro-desemprego
A Comissão Europeia planeja iniciar nesta semana a caminhada rumo a um salário mínimo europeu, uma das propostas de maior destaque de sua nova agenda social. O mecanismo, que visa estabelecer em todos os países uma remuneração mínima equivalente a 60% do salário médio nacional, faz parte de um pacote de medidas que também incluirá a criação de um seguro-desemprego europeu. Objetivo: aumentar a convergência econômica entre os parceiros da UE, reduzir o risco de dumping salarial em um mercado de trabalho sem fronteiras e resgatar uma parte dos 110 milhões de europeus em risco de pobreza.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se comprometeu com o Parlamento Europeu a lançar uma ambiciosa agenda social e ambiental em menos de 100 dias. Assim que assumiu o cargo, em 1º de dezembro, a alemã começou a cumprir as promessas que lhe permitiram vencer a votação de sua nomeação com apenas nove votos de diferença.
Em 10 de dezembro a comissão já aprovou o Pacto Verde, que estabelece o objetivo de tornar a Europa o primeiro continente a obter a neutralidade nas emissões de CO2. Depois desse avanço na agenda ambiental, Von der Leyen espera iniciar nesta semana a caminhada de sua agenda social, que é ainda mais suscetível de provocar grandes divisões e confrontos entre os parceiros da União.
A chefe da Comissão entregou a pasta de Emprego ao socialista luxemburguês Nicolas Schmit, um forte defensor do estabelecimento de um salário mínimo e de um mecanismo de seguro ou resseguro de desemprego. Schmit também defende a introdução de uma renda mínima que garanta condições de vida decentes a todos os cidadãos em situação vulnerável. A equipe de Schmit se propõe a avançar em todas essas propostas o mais rápido possível, sem esperar a conclusão de um mandato que vai até 2024.
A batalha para aprovar qualquer uma dessas medidas se anuncia virulenta. A proposta do salário mínimo preocupa em vários países. Os da Europa Central e de Leste, com custos de mão de obra abaixo da média, temem que o marco europeu reduza sua competitividade.
O salário mínimo anual líquido em países como Polônia, Hungria, República Tcheca ou Eslováquia não chega a 5.000 euros (cerca de 23.000 reais) por ano, enquanto na Bulgária ou na Romênia ronda os 3.000, segundo a Eurofound, a agência europeia responsável pela melhoria das condições de vida. Os dados mostram que o salário mínimo na Alemanha, França e Itália ultrapassa os 13.000 euros, e na Espanha os 11.000 euros (12.600 euros brutos anuais ou 900 euros em 14 pagamentos por ano).
A diferença é explorada em setores com a possibilidade de deslocamento de trabalhadores, como o transporte. Os parceiros veteranos da UE pressionam Bruxelas a combater esse dumping salarial com o endurecimento das regras sobre os trabalhadores deslocados, enquanto os Governos dos países do Leste defendem a manutenção de um relaxamento que lhes é favorável.
Tradições diferentes
O salário mínimo europeu também inquieta os parceiros comunitários onde não existe um padrão nacional (como Itália ou Chipre) ou nos quais é estabelecido por meio de negociação coletiva sem a intervenção das autoridades (nos países nórdicos). Alguns temem ser obrigados a adotar um mecanismo alheio à sua tradição trabalhista e outros temem que o marco europeu arruíne um sistema que funciona com bons resultados.
“O objetivo não é estabelecer um salário mínimo comum para toda a UE”, tranquilizam fontes da Comissão às vésperas da publicação do documento de consulta sobre o futuro mecanismo europeu. “Qualquer proposta permitirá que os salários mínimos sejam estabelecidos de acordo com as práticas tradicionais de cada país, seja por meio de negociação coletiva ou através de normas legais”. Bruxelas reconhece que a fórmula de alguns países nórdicos, onde as taxas de filiação sindical são muito mais altas do que no resto da Europa, deu “excelentes resultados”. Mas acredita que ainda há margem de melhoria em certos parceiros e que o objetivo é que os Estados “levem em consideração as melhores práticas aplicadas em cada lugar”.
Apesar dos sinais de calma emitidos por Bruxelas, o projeto legislativo que deve ser concluído dentro de alguns meses é ambicioso para muitos países. O objetivo da Comissão é que o salário mínimo em cada país seja de ao menos 60% do salário médio.
Seguro-desemprego comum
Mais polêmico, se isso é possível, será o passo seguinte da agenda social de Von der Leyen, que visa criar uma cobertura de seguro-desemprego europeia. O comissário Schmit foi encarregado de projetar um mecanismo de resseguro que permita que a conta do desemprego seja parcialmente dividida entre os países em tempos de crises profundas.
O dispositivo não pretende estabelecer um seguro-desemprego europeu permanente, mas uma rede de segurança contra choques econômicos assimétricos. Os países severamente atingidos —como a Espanha durante a recente crise, quando a conta do seguro-desemprego subiu a 30 bilhões de euros por ano— receberiam ajuda comunitária para cobrir essa despesa. O objetivo é impedir que os Estados sejam obrigados a cortar outros itens do orçamento, especialmente o investimento público. Na recente crise, a falta desse mecanismo de estabilização europeu desencadeou uma espiral de cortes de investimentos e aumento de gastos sociais que agravaram ainda mais os estragos da recessão. “Não se trata de organizar um sistema de transferência permanente, mas de garantir que, no caso de choque assimétrico, a economia afetada não entre em um poço sem fundo e que as pessoas desse país tenham acesso a uma rede de segurança, inclusive se o Estado tiver grandes dificuldades para proporcioná-la”, afirmou Schmit durante a audiência no Parlamento Europeu antes de sua nomeação.
Um relatório da Eurocâmara de abril de 2019 calcula que se existisse um regime de europeu de seguro-desemprego durante a crise de 2008, “a renda das famílias teria se estabilizado… e teria sido reduzida em 71 bilhões de euros durante quatro anos a perda de PIB nos Estados-membros mais afetados da zona do euro, isto é, cerca de 17 bilhões de euros por ano”.
Fonte: El Pais Brasil