O Brasil teve uma alta de 8% no número de assassinatos em abril deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo portal G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
De acordo com a ferramenta, houve 3.950 mortes violentas em abril de 2020. No mesmo mês no ano passado, foram 3.656. O crescimento ocorre mesmo em meio à pandemia da Covid-19, em um mês onde medidas de isolamento social foram adotadas em todo o país.
Já considerando o período de janeiro a abril, foram 15.868 vítimas de assassinatos neste ano, contra 14.580 em 2019, uma diferença de 1.288 mortes.
A alta no início deste ano vai na contramão de 2019, que teve uma queda de 19% no número de assassinatos em todo o ano. O Brasil teve cerca de 41 mil vítimas de crimes violentos no ano passado, o menor número desde 2007, ano em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a coletar os dados.
O G1 já havia antecipado que um terço dos estados tinha apresentado alta nos assassinatos no último trimestre de 2019, o que acendeu o alerta para uma possível reversão da tendência de queda da violência no país, segundo os especialistas. A reversão foi confirmada no início deste ano.
Os dados apontam que:
- o país teve 3.950 assassinatos em abril de 2020
- houve 294 mortes a mais na comparação com o mesmo mês de 2019, uma alta de 8%
- já de janeiro a abril, foram 15.868 crimes violentos, um crescimento de 9%
- 19 estados do país apresentaram alta de assassinatos no quadrimestre
- 7 registraram queda no período e 1 manteve o mesmo número de mortes
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Pandemia do coronavírus e isolamento
O mês de março foi o período em que a pandemia do coronavírus ganhou força no Brasil. A primeira morte foi registrada em 16 de março, em São Paulo.
Foi também o mês em que vários estados começaram a aplicar medidas de fechamento de comércio e isolamento social. O Rio de Janeiro publicou um decreto com as medidas de restrição de circulação e funcionamento dos serviços no dia 17 de março. Já São Paulo adotou a quarentena a partir de 24 de março.
Já em abril, praticamente todo o Brasil conviveu com medidas de isolamento social. Mesmo com a circulação de pessoas mais restrita, porém, houve um aumento de assassinatos de forma geral, o que chama a atenção.
Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, esse crescimento no contexto atual de quarentena é preocupante. Ele afirma que ainda é cedo para apontar as causas por trás da alta da violência, mas aponta que a hipótese relacionada a um aumento nos conflitos entre grupos criminosos se sobressai.
“Esse tipo de homicídio não está relacionado a conflitos cotidianos e ocasionais, como os decorrentes de briga em bar, em trânsito etc. São assassinatos relacionados a disputas de poder, de mercado, de território, envolvendo execuções sumárias previamente planejadas. Os homicidas vão buscar a vítima não importa onde ela esteja”, afirma.
“O crescimento da violência em ações da polícia também tem chamado a atenção em alguns estados, como Rio, São Paulo e Bahia. Essas ações policiais acabam muitas vezes desestabilizando a cena criminal nos territórios, aumentando a violência.”
Paes Manso afirma que é importante entender os motivos por trás disso. “Será que as autoridades estaduais estão fragilizadas com a crise criada pelo coronavírus? Será que essa percepção de fragilidade levou quadrilhas rivais a disputarem poder e territórios ou a polícia a agir com excesso de violência?”, questiona.
“Não existe, contudo, um padrão claro. Estados como Amazonas e Pará, fortemente atingidos pela pandemia, reduziram homicídios em março. Ceará, também bastante impactado, viu os homicídios crescerem. Nesses momentos, às vezes, é mais importante fazer perguntas que dar respostas.”
Nordeste puxa a alta
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também cita o estado do Ceará e seus números elevados. Para ela, um dos principais motivos por trás da alta de assassinatos no país foi o motim de parte da Polícia Militar que aconteceu no estado em fevereiro.
O Ceará, inclusive, foi o estado com a maior escalada de violência do Brasil. Nos primeiros quatro meses do ano, o número de vítimas quase dobrou, passando de 759 para 1.514.
O ano de 2020 teve o mês de fevereiro mais violento do estado desde pelo menos 2013, com mais de 450 mortes. Desse total, 312 aconteceram durante os 13 dias da greve policial. Houve uma média de 26 mortes por dia. Antes, a média era de 8 por dia.
Para o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Fábio Silva Paiva, a greve foi um fato circunstancial. “Obviamente que os grupos armados que estavam envolvidos em acerto de contas e disputa pelo tráfico encontraram uma ótima oportunidade para intensificar determinadas ações. Mas a greve não é determinante. Em janeiro [antes da greve], a gente já tinha uma situação grave. Depois, em abril, maio e junho, esses conflitos se intensificaram, com invasões de bairros e com ocupação de territórios de grupos inimigos”, afirma.
“São situações que a gente observa que elas acontecem independente da ação policial. Até porque a maneira como as nossas polícias atuam pouco tem incidido no aumento ou na diminuição dos homicídios”, diz Paiva. “A gente fica muito mais à mercê da dinâmica interna dos grupos criminosos. Quando intensificam confronto, tem número mais alto, e quando recuam, tem número mais baixo.”
O professor também destaca a pouca atuação dos órgãos públicos para responsabilizar as mortes e reduzir a violência. “O cenário é muito grave e ele não é tratado pelo governo, pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário como um cenário grave”, diz.
“Estamos falando de uma sociedade que convive com um número absurdo de assassinatos no seu dia a dia. E vale a pena frisar que não são todas as classes sociais que morrem no Ceará. São, sobretudo, pessoas negras residentes das periferias, que são afetadas tanto pelo poder dos grupos criminosos, tanto pela omissão e, muitas vezes, pela própria ação do estado contra elas.”
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará afirma que “a estratégia de combate à criminalidade (…) foi impactada, em 2020, pelo motim de parte da Polícia Militar, já no começo do ano”. “No período, houve diminuição do policiamento ostensivo e foi verificado o acirramento da rixa entre grupos criminosos, o que incidiu no maior aumento de CVLIs [Crimes Violentos Letais Intencionais] durante e após o motim, ampliando uma problemática que é nacional.”
A pasta também afirma que está trabalhando para voltar aos índices de violência registrados em 2019, mais baixos. “Somente nos primeiros cinco meses deste ano, os trabalhos das forças de segurança já culminaram em 6.048 prisões e apreensões qualificadas em todo o estado, que englobam capturas por Crimes Violentos Letais Intencionais, tráfico de drogas, roubo, porte e posse de arma”, diz a secretaria.
Mas o Ceará não foi o único estado do Nordeste a ter uma alta no número de assassinatos. A região capitaneou o aumento de mortes em todo o país. Sozinha, ela teve um aumento de 25.7% no primeiro quadrimestre desse ano em comparação com o ano passado. Foram 7.274 assassinatos em janeiro, fevereiro, março e abril de 2020, contra 5.789 de 2019. No total, foram 1.485 mortes a mais.
Em 2019, a região tinha sido a responsável por puxar a queda nos primeiros meses do ano.
Além do Nordeste, Samira Bueno também cita outros elementos que podem estar por trás da alta da violência. “Também é de se considerar a falta de um projeto nacional coordenado para reduzir a violência (a exemplo do que propunha o Sistema Único de Segurança Pública e que não foi continuado pela gestão Bolsonaro), novas dinâmicas associadas à ação do crime organizado e o crescimento nos assassinatos de mulheres”, afirma.
Queda recorde de mortes em 2019
A queda registrada no número de assassinatos no Brasil em 2019 bateu recorde e foi a maior se for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de vítimas também foi o menor desde 2007, ano em que foi iniciada a coleta dos dados.
Os especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública elencaram alguns pontos para explicar os números, como uma nova configuração do mercado de drogas, um maior monitoramento e controle por parte dos estados dos chefes de facções presos, uma liderança dos governadores em um ano pós-eleitoral e uma política pública consistente de parte dos estados.
Em 2020, porém, fica a dúvida com o cenário apresentado no início do ano e com as incertezas geradas pela pandemia do novo coronavírus.
Como o levantamento é feito
A ferramenta permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.
Jornalistas espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão do ex-ministro Sergio Moro, em março do ano passado. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os do Monitor da Violência.
Os dados coletados mês a mês pelo não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de 2019 foi realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi publicado em 16 de abril. O de 2020 ainda será feito.