O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi demitido por Jair Bolsonaro do Ministério da Defesa por não aceitar interferência do presidente nas Forças Armadas. Essa informação circula entre alguns generais da reserva desde a divulgação da nota de Azevedo sobre a saída, nesta segunda, 29.
Um dos militares que troca impressões com colegas fardados disse a CartaCapital que uma interferência do tipo significa uma “quebra a organização constitucional do Estado” e “é inadmissível”.
A nota de Azevedo traz uma pista sobre essas presumidas tentativas. Escreveu o general: “Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”. O ex-ministro não afirma que “pediu demissão”, apenas que sai “na certeza da missão cumprida” e que agradecia ao presidente.
Para o general que conversou reservadamente com a reportagem, a interferência em questão indica o interesse de Bolsonaro de apelar a um Estado de sítio ou de defesa no País.
O contexto da saída de Azevedo reforça essa hipótese:
Dia 31 de março será mais uma aniversário do golpe militar de 1964, que este ano o governo irá celebrar sob autorização judicial. No dia 21, aniversário do próprio Bolsonaro, o presidente falou a apoiadores que “estão esticando a corda” e que o Exército é ‘vede-oliva’ e está com o povo.
Em 19 de março, o presidente recorreu ao Supremo Tribunal Federal com uma ação contra medidas anti-covid adotadas no Distrito Federal, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Ele comparou essas medidas a um “Estado de exceção”
Na semana anterior, durante uma de suas transmissões semanais em vídeo na internet, Bolsonaro havia comparado o toque de recolher decretado no Distrito Federal a um “Estado de sítio”. E dizia que só o governo federal e o Congresso poderiam fazer isso. O gesto intrigou o presidente do STF, Luiz Fux, que telefonou ao presidente.
A ação no Supremo foi assinada pelo próprio presidente. O costume seria a assinatura do advogado-geral da União, o também recém-saído José Levi. Cabe à AGU defender o governo federal perante o STF. Levi, ao que consta, não teria concordado com a ação.
Em janeiro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, emitiu um comunicado público em que sugeria que o Brasil, por causa da pandemia, estava na antessala de um “Estado de Defesa”. Nesse “Estado”, o presidente da República e o governo federal ganham poderes excepcionais.
Tratava-se de uma tentativa de Aras de justificar por que não tomou nenhuma medida criminal contra o presidente na pandemia — e que pudesse levar à queda de Bolsonaro. O procurador foi indicado para o cargo pelo ex-capitão.
O fantasma do impeachment
A deposição é um fantasma que paira contra o presidente desde que o “centrão” passou a pressionar o governo, em resposta a pressões que o próprio “centrão” recebe de empresários.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), falou em 24 de março que o Congresso às vezes pode prescrever remédios “fatais” contra o presidente e o governo. Foi uma manifestação de contrariedade com a troca de seis por meia dúzia no ministério da Saúde e contra a permanência do Ernesto Araújo das Relações Exteriores.
Araújo pediu demissão horas antes da saída de Azevedo, por pressão do Congresso e do poder econômico. Ele é um dos baluartes do bolsonarismo, um dos colaboradores presidenciais com mais capacidade de agitar a base radical do ex-capitão. Nas redes sociais, o bolsonarismo mostra a indignação com a queda do chancelar.